Chip no cérebro ajuda homem com ELA a “falar” em tempo real novamente
Chip liga cérebro a computador, transforma sinais neurais em fala com 97% de precisão e devolve voz a homem com ELA
atualizado
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Casey Harrell, um homem de 45 anos que perdeu a fala por causa da esclerose lateral amiotrófica (ELA), voltou a se comunicar verbalmente graças a um implante cerebral que decodifica sua comunicação com uma precisão de 97%, eficácia nunca antes encontrada em dispositivos deste tipo.
O chip cerebral experimental foi desenvolvido por pesquisadores da UC Davis Health, nos Estados Unidos. A tecnologia interpreta sinais do cérebro durante a tentativa de falar, os impulsos que o órgão manda para a musculatura que já não responde, e consegue converter esses sinais em texto e voz artificial.
O estudo que detalha a pesquisa foi publicado nesta quinta-feira (12/6) na Nature. Segundo os pesquisadores, Casey chorou ao ver suas palavras lidas em voz alta pela primeira vez. “Todos nós choramos”, contou o neurocientista Sergey Stavisky, um dos membros da equipe responsável pelo desenvolvimento do sistema.
O que é a esclerose lateral amiotrófica (ELA)?
- A esclerose lateral amiotrófica é uma doença incurável e progressiva que afeta os neurônios motores, causando paralisia muscular e fraqueza.
- Suas causas ainda são pouco compreendidas. Estima-se que de 5% a 10% dos casos possuam algum componente genético danificado. A maioria dos diagnósticos, porém, é desencadeada de forma esporádica e está relacionada ao estilo de vida do paciente.
- Além de causar ao paciente a incapacitação física, a ELA também pode apresentar sintomas cognitivos, como problemas de memória e dificuldade de raciocínio. Outros sintomas da doença são:
- Engasgos frequentes.
- Gagueira (disfemia).
- Cabeça caída.
- Cãibras musculares frequentes.
- Perda de peso sem causa aparente.
- Alterações da voz.
- Rouquidão.
- Problemas de dicção – como um padrão de fala lento ou anormal.
Chip no cérebro permite comunicação
O dispositivo é uma interface cérebro-computador (BCI, em inglês) e foi implantado em julho de 2023. Na segunda sessão (ao todo foram realizadas 84 sessões), o sistema já era capaz de diferenciar mais de 125 mil palavras.
A cirurgia para colocar o implante foi feita por David Brandman, neurocirurgião da UC Davis e líder do estudo clínico BrainGate2. Os cientistas colocaram quatro conjuntos de microeletrodos na parte esquerda do cérebro, em uma região próxima à responsável pelo controle da fala.
“Estamos gravando a parte do cérebro que está tentando enviar os comandos aos músculos. Basicamente ouvimos e traduzimos esses padrões de atividade cerebral em um fonema — como uma sílaba ou a unidade da fala —, e então nas palavras que eles estão tentando dizer”, explica Sergey.
Tecnologia de resposta rápida e precisa
Por conta da ELA, Casey apresentava fraqueza muscular e dificuldade severa de fala. Logo após a ativação do sistema, foi possível entender com clareza as palavras que ele tentava dizer.
Em 30 minutos de uso, o sistema atingiu 99,6% de precisão em um vocabulário de 50 palavras. O voluntário usou a tecnologia durante 248 horas para se comunicar pessoalmente e em videoconferência.
O som da própria voz, de novo
A fala gerada pelo sistema foi sintetizada com base na voz original de Harrell, registrada antes da progressão da doença em filmagens antigas. Um software de áudio permitiu a reprodução com entonação e melodia semelhantes à dele.
Além das palavras, o sistema capturou aspectos paralinguísticos, como ritmo e modulação. Harrell conseguiu cantar pequenas melodias por meio da BCI. A tecnologia também forneceu retorno auditivo imediato.
Nova esperança para quem não pode falar
Segundo os pesquisadores, outras tentativas de BCI apresentaram dificuldades com vocabulário e velocidade. Muitos sistemas exigiam tempo extenso de aprendizado e apresentavam falhas frequentes.
“Nosso objetivo era permitir que alguém fosse compreendido sempre que quisesse falar”, afirmou o neurocirurgião David Brandman. O avanço, segundo ele, pode transformar a vida de pessoas com paralisia ou distúrbios neurológicos. “Essa tecnologia é transformadora porque dá esperança para pessoas que querem falar, mas não conseguem”, completou.
A tecnologia ainda está em fase de testes, e o ensaio clínico BrainGate2 continua recrutando participantes. A equipe de pesquisa pode ser contatada por meio do site braingate.org.
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